domingo, 19 de julho de 2009

Chegada a Coimbra...

O sol há muito que se deitou, e as luzes eram agora o brilho de um início de noite que fazia extrapolar a sedução nocturna tão característica quanto a sua mais elementar fantasia. As pessoas passam e o movimento dos seus corpos constroem no horizonte uma coreografia humana que, com a mesma cadência, se repete e lhe dá a subtileza de um canto divinal. As suas faces escurecidas pela fraca luminosidade deixam adivinhar os contornos de uma boca, de um olhar, de um gesto numa declamação poética. E Eu, apenas Eu, ali, sentado, à espero de tudo, à espera do nada. Procuro um sinal, procuro uma cor, procuro um olhar…
Algo quebrou a cadência da coreografia humana, num ápice senti-me viajar por entre as pessoas e seus odores procurando detectar, afinal, a razão de meu olhar se regalar. Estagnei. Inerte e de pálpebras bloqueadas minha mente reteve o que meu olhar denunciou. E mesmo ali, por entre a multidão, um vulto deixava a seu lado uma silhueta de contornos arrojados e escurecidos pelo escuro da noite. O rosto escondia-se por detrás dos longos cabelos castanhos e o perfil das suas formas delineava cada pormenor com uma elegância divinal…
Era mais um rosto que se diluía nas sombras, pensava, ou justificava, talvez. Não queria abstrair-me do meu propósito e isso segurava-me o ímpeto, ou essa tendência natural para conhecer o desconhecido. Sim, porque, se é desconhecido, cada pormenor torneia uma incógnita e cada incógnita atiça a mente e a ânsia do saber, do sentir, do descobrir. É uma descoberta, pode ser uma descoberta! O simples acto de delimitar o que à ilusão vamos buscar. Parecia que, sem mais, teria sido inserido num cenário que tinha tanto de estranho como de patético. Mas que fazia eu ali? Abstraído do espaço… perdido no tempo… a divagar… a divagar… ou relembrar? Estaria eu a montar o que um dia um sonho desenhou? Não tinha respostas e ficava a sensação de que me faltavam peças. E acordei desse momentâneo estado de transe. A viagem tinha terminado! E ali estava eu, rodeado de rostos que surgiam e se diluíam nas sombras que a fraca luminosidade alimentava.
Descia sobre mim uma inércia inexplicável. Era o momento. Extasiado com a singularidade do momento e com toda aquela realidade que meus olhos observavam, não podia deixar de relembrar o quanto o desejei e o desenhei em minha mente. Pretendi e consegui, estar ali, longe de tudo e de todos que o quotidiano me impunha. Mas estaria eu encantado ou assustado? Talvez um pouco de cada! Extasiado pelo encanto e pela satisfação do desejo; assustado pelo fluxo emocional que me percorria a mente e todo o corpo. O coração batia mais forte e, não fosse o escuro da noite, meus olhos seriam tão brilhantes quanto a luz do dia, ou como quando, inesperadamente, meus lábios conheceram o sabor do primeiro beijo. A dimensão do momento só poderia me deixar assim, inerte, prisioneiro.
Estava rodeado de vida, e até as pedras do pavimento pareciam ter movimento. Pareciam reagrupar-se de cada vez que meu olhar descia e procurava nelas a refracção do pensamento, e, como um menino, imaginava desenhos com o traçado das suas fissuras e das saliências que a noite transformava em sombreado. De cada vez que levantava o olhar descobria um novo detalhe e desta vez foi o arco central que me prendeu. Rodeado por fachadas escuras e agastadas pelo tempo formava uma grande galeria que conduzia a uma grande portada e ao exterior. Dali se avistaria o que desejei e sentiria a liberdade de ser eu próprio, entregue ao meu próprio propósito. Mais um comboio que assinalava a sua chegada. As portas abrem-se e de novo a agitação se repete, como há minutos atrás, quando eu próprio também saí por uma daquelas portas.

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