sábado, 15 de agosto de 2009

O Soldado

Sérgio era um soldado exemplar. Perfil aprumado e modesto, brioso no atavio, simples e prático nas suas intervenções, forte no espírito de sacrifício tão exigido no meio militar, pujante na defesa da unidade, solidário incondicional, orgulhoso pelo cumprimento dos seus deveres cívicos e pela sua ostentação patriótica, respeitador escrupuloso da hierarquia militar, enfim, alguém digno dos preceitos da nação.
Foi acolhido pela emblemática cidade de Aveiro e logo bateu de frente com a dureza do rigor e exigência militar. Esperava-o uma realidade crua. Encaixou a filosofia militar com naturalidade desde o primeiro rebolar na lama em dia de temporal.
Assim o tinha desejado, assim o teve! Exercícios intermináveis, noites de verdadeira odisseia, simulações medonhas de combate e resistência mental, suores que extravasavam o tecido denso da farda, o peso dos apetrechos de defesa que lhe calejava as mãos, a pesava mochila que lhe estafava os ombros, a inseparável “namorada” G3 de culatra sempre pronta, a água que sabia a sopa de banha, a marmita, essa coisa única que brilhava quando, no fim de comer o pedaço de carne ressequida, a esfregávamos com um punhado de areia do chão, as emboscadas que no escuro da noite nos tomavam de assalto e os hematomas que as coronhas deixavam, a agressividade e o odor agreste da floresta. Assim se consumava a aventura.
Tantas foram as madrugadas que, acordados em sobressalto, o pelotão se apetrechava à velocidade da luz e marchava pelas ruelas da cidade em direcção ao campo de batalha. Vinte Quilómetros separavam as duas realidades. Intensa era a adrenalina que, a cada passo ordinário, lhe corriam nas veias. Exuberante a sensação de dever patriótico que descia sobre as suas cabeças com os olhares curiosos dos que se abeiravam das janelas para contemplar o aparato aquelas horas de insónia. Inexplicável e penosamente gratificante. Sérgio era Um de Uns!

- Um, dois, esquerdo, direito. Um, dois, esquerdo, direito… acerta o passo sua besta. Gritava o Furriel Marques na sua instrução. – Está uma merda! Ficamos nisto a noite inteira suas bestas!
Gritos duros de pujança e disciplina física chegavam de todos os quadrantes. Rudemente tratavam e enquadravam os soldados como se de um cenário de guerra se tratasse e em cada formatura se revisava e impunha a perfeição e o brio de um militar destemido, capaz de acatar, sem hesitar, cada ordem, cada dificuldade, cada esforço físico e sempre com um extremado critério de solidariedade. De pele rugosa e escurecida pelas adversidades do tempo, incutiam em cada mente a responsabilidade e o instinto heróico da pátria. Defende-la até à morte era a palavra de ordem. Por isso exigiam, a cada um, a capacidade de se superar e de sobreviver até ao seu último fôlego.
Era de facto um choque, só poderia ser, com tamanho rigor e dureza não era possível haver espaço para falhas. Mesmo que a razão fosse irracional havia a inquestionável base hierárquica que lhe dava sustentação, e por isso a sanção estava certa, fazia parte da hostilidade e da própria preparação militar. Eram como clássicos dogmas que nenhum soldado ousaria sequer comentar. Aceitávamos cada dia e cada exercício com resignação, afinal foi para isso que ali entramos, e com um apuradíssimo espírito de corpo onde não se admitia qualquer réstia de egoísmo e muito menos egocentrismos. Sabíamos que não nos esperaria nenhuma colónia de férias mas sim uma espécie de antecipação do cenário de guerra para o qual seriamos trabalhados física e mentalmente. Rastejaríamos como cobras e comeríamos o pó do nosso atrito, rolaríamos por entre espinhos e dos punhos brotariam o sangue da nossa honra.
Foram meses loucos. Marcha e atavio militar, exercício físico, provas de apetência, instrução militar e armamento, formação administrativa, especialização e simulação militar, noites diabólicas… enfim, momentos orgulhosamente marcantes, que valem uma lágrima no dia do juramento de fidelidade à pátria.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Isa Carismática

Isa era uma mulher carismática. Daquelas que demarcam, a cada sensação, o seu espaço ou a sua futilidade, consoante o propósito. Tinha tanto de robusta quanto de frágil. Resvalava com inocência ou impunha-se com garra. Uma inocência safadamente cultivada e consumidora de apetrecho. Brotava de si uma sedução premeditada, capaz de iludir o mais versátil predador e desafiar à clemência do mais terrível dos abutres. Mas, na inesperada picada, mudava como o vento de Outono e, de instinto possessivo e arrebatador, fazia respeitar a sua característica e cobria com as suas garras todos os meandros de fuga. Não vacila e no momento de agir é implacável! É uma mulher tão exigente quanto compreensiva. Fere como flecha ou derrete-se com o calor humano e, quantas vezes, traída pelo seu piedoso coração. Alguém tão coerente que é incapaz de exigir aquilo que, pelo limite das suas forças, já não consegue dar. Determinada na arte de amar e é aqui que os seus extremos se evidenciam. Ama até à exaustão, não mede o que existe mas sim o que ainda falta para brotar, de cada poro, a última gota de suor. Trata da alma com perseverança e do físico sem pudor. Subtilmente descontraída toca os extremos e faz prevalecer a intensidade em detrimento da forma com que se ama. Extrai tudo o que há para extrair porque só assim concebe o amor enquanto romance.
É um privilégio contemplar as feições do seu rosto, os cabelos longos que se enroscam em caracol, os olhos vivos que acompanham o sorriso sempre espontâneo da sua boca, e até a lágrima de emoção que humedece as finas pestanas são a prova da beleza interior que em si encerra…mas se por dentro é bela por fora ostenta um invólucro bem recheado e digno de regalo! Transcende a imaginação e atiça o desejo sensorial. Os pés nus e bem cuidados sustentam pernas bem torneadas e sensuais, sente-se à distância a pele sedosa e macia, deixa antever uma infinidade de detalhes que nos tortura o olhar, que nos transporta para uma promíscua sensibilidade táctil. É um rodopio visual que não tem fim e que penetra o vestidinho solto e justo na anca, o aconchego perfeito dos seus seios fartos e das suas formas generosas.
Apareceu ao cair da tarde e nos seus olhos trazia um fogo autêntico de paixão. Era mais um encontro de tantos encontros que se adivinhavam. De cada vez repetia-se a diferença, essa diferença ancorada na diversidade de sensações. Cada um conhecia o outro como a sua própria palma, sabiam do poder de cada toque e da infinita criatividade de ambos e isso incendiava-os a cada olhar tendencialmente atrevido. Não dava para contornar, por minutos que fosse, a sede que suas bocas denunciavam, a sede que o beijo já não matava, a fome pela qual seus corpos mendigavam. Não tardou que os seios fartos de Isa gozassem de liberdade condicional, que os cabelos lhe cobrissem selvaticamente o rosto e que o vestidinho preto deixasse de ser justinho na anca. Solto, cada vez mais solto… ambos se percorriam e deixavam um rasto de saliva e suor em cada entranha, o batom diluído pelos seus fluidos marcava o terreno percorrido e a sua posse, e o vestidinho, agora perdido e esmagado algures pelo ventre de Isa deixara a nu o que os olhos de Sérgio há muito tinham despido. Devoravam-se com devoção!